O que é Biogás, Biometano e Digestato?
1) O que é Biogás?
Biogás é a mistura de todos os gases produzidos durante a decomposição de resíduos orgânicos.
A decomposição dos resíduos orgânicos quando ocorre em ambientes fechados, ou seja, em locais sem a troca de ar ou em ambientes alagados, onde o resíduo submerso está sem o contato com atmosfera, caracterizando-se como ambientes anaeróbios (locais sem a presença de oxigênio atmosférico livre). Somente nessas condições desenvolve-se micro-organismos anaeróbios que consomem os resíduos orgânicos e produzem o biogás.
O biogás é uma mistura de vários gases: gás metano (CH4), gás carbônico (CO2), vapor de água (H2O), sulfeto de hidrogênio (H2S), amônia (NH3) e outros gases que aparecem em proporções menores do que 1%.
A composição do biogás pode variar muito e depende diretamente do tipo de resíduo orgânico (matéria prima para produção de biogás ou simplesmente substrato) e das características do processo de biodigestão anaeróbia.
Entre todos os gases presente no biogás o único gás que é combustível é o gás metano. Os outros gases presentes no biogás são impurezas que vão causar corrosão e desgastes em tubulações, motores, entre outros equipamentos. Além de contribuir para redução do poder calorífico do biogás. Em determinados equipamentos a queima do biogás bruto pode causar prejuízos financeiros ao reduzir a vida útil, comprometendo o investimento realizado para produção do biogás. Nesse sentido, conforme o uso final do biogás é muito importante avaliar que tipo de processo de limpeza e purificação que será necessário.
2) Para que serve o biogás?
Biogás é um combustível gasoso que pode ser usado para queima direta, em diversas finalidades. Como uso final, podemos citar o aquecimento de ambientes, secagens de grãos, cocções, iluminação, queima em caldeiras ou em motores de acionamento direto que operam com biogás bruto.
Há alguns usos do biogás que exigem um processo de limpeza, principalmente a remoção de umidade (vapor de água – H20), remoção do enxofre (sulfeto de hidrogênio – H2S) e da amônia (NH3). Essa limpeza do gás é imprescindível quando o uso final for a queima em turbinas, motores usados em cogeração ou o uso como combustível veicular.
Além da limpeza do biogás, há o processo de purificação com objetivo de remover o gás carbônico (CO2) e outros elementos indesejados, possibilitando assim elevar a concentração do metano no biogás para valores acima de 90%. O objetivo da purificação é aumentar a concentração de metano no biogás, elevando o poder calorífico e tornando-o equivalente ao gás natural (fóssil).
Para diferenciar o metano obtido do biogás (energia renovável) passamos a adotar a denominação de biometano. Diferentemente do gás natural que basicamente é constituído de metano de origem fóssil, assim como o petróleo.
Tanto o biometano quanto o gás natural tem o mesmo tipo de molécula: metano (CH4).
O processo de purificação torna o biometano equivalente ao gás natural (de origem fóssil) o que possibilita ao biometano os mesmos usos finais do gás natural, como o uso industrial, seja na forma de biometano comprimido (BioGNC), biometano liquefeito (BioGNL) ou o uso como combustível veicular (biometano veicular - BioGNV).
Portanto, o biometano é um biocombustível renovável gasoso intercambiável com o gás natural, podendo até ser injetado na rede de distribuição e ter os mesmos usos finais que tem o gás natural.
Atenção: Biometano e gás natural (fóssil) são constituídos majoritariamente de gás metano (CH4), diferentemente do botijão de gás de cozinha (gás liquefeito de petróleo – GLP) que é constituído na maior parte por gás butano (C4H10).
3) Por que o biogás é uma energia renovável?
Tudo começa com as plantas e a energia solar
Energia Solar → Biomassa → Biogás
Um processo de transformação desde a luz do sol até a produção do biocombustível.
As plantas realizam fotossíntese utilizando o dióxido de carbono, água e a energia solar para produzir oxigênio e glicose.
Figura 2 - Fotossíntese
Fonte: a) Plantação de milho na ESALQ. Foto: Marcos Santos, Banco de Imagens da USP. b) Girassol, PIXNIO ; c) Árvores e Folhas. Foto: Cecília Bastos, Banco de Imagens da USP.
Nesse processo, ocorre a remoção do carbono da atmosfera e a fixação nas plantas na forma biomassa (frutos, madeiras, óleos vegetais, grãos e sementes, palhas, entre outras formas de açúcares, amido, celulose, etc.).
A fotossíntese é um processo de transformação de energia solar em bioenergia.
Se no início desse processo temos a fotossíntese gerando biomassa (toda matéria orgânica de origem vegetal ou animal com potencial de produção de bioenergia por meio da biodigestão anaeróbia), no final do ciclo a "vida útil" dos resíduos vegetais e animais temos a decomposição da matéria orgânica.
Durante a decomposição, ou simplesmente apodrecimento, ocorre na natureza a reciclagem dos nutrientes em um processo de transformação da matéria orgânica em minerais. Nesse processo atuam micro-organismos aeróbios e anaeróbios, quebrando a estrutura dos resíduos orgânicos liberando diversos elementos que tornam-se nutrientes para plantas, desta forma possibilitando que o ciclo do carbono e de nutrientes possam estar disponíveis novamente para outras plantas realizarem a fotossíntese.
As emissões de carbono resultante da queima do biogás têm balanço neutro na atmosfera, uma vez que fazem parte do ciclo do carbono. Diferentemente da queima dos combustíveis fósseis, extraídos das reservas do subsolo, ao serem queimados liberam para atmosfera uma nova quantidade de carbono. O uso de combustível fóssil contribuiu para saturar a atmosfera com mais gás carbônio. Esse novo carbono liberado para atmosfera anteriormente encontrava-se armazenada em reservatórios no subsolo.
O uso do biogás pode evitar que os resíduos orgânicos emitam metano diretamente para atmosfera e simultaneamente contribui para redução do uso de combustível fóssil, reduzindo a emissão de carbono de origem fóssil para a atmosfera.
4) Exemplos de produção espontânea de biogás
Já ouviu falar em gás dos pântanos ou gás do lixo?
Um exemplo de produção espontânea de biogás na natureza é o apodrecimento de materiais em pântanos, lodo em banhados misturado com a vegetação, árvores e outros resíduos vegetais submersos em alguma barragem ou áreas alagadas, até mesmo sedimento orgânico em lavouras de arroz podem produzir biogás. Ou seja, o biogás é gerado no processo natural de decomposição anaeróbia dos resíduos, em ambientes sem oxigênio atmosférico livre. Um bom exemplo de locais onde ocorre espontaneamente a produção de biogás: esterqueiras de dejetos bovinos, de aves e suínos, assim como em lixões, lodo de esgotos.
5) Como é produzido o biogás para uso comercial?
Para uso comercial do biogás, em média ou grande escala, há a necessidade do desenvolvimento de grandes biodigestores (reatores anaeróbios).
Uma planta completa para a produção de biogás possui diferentes equipamentos distribuídos em várias unidades do processo: unidade de recebimento e estocagem de substrato (biomassa); unidade de alimentação; reatores anaeróbios; tanques de polimento e armazenamento do digestato; gasômetro para biogás; sistemas de limpeza e purificação do biogás; grupo gerador; estocagem do biometano; laboratórios de análise de substrato, análise de inóculos, análise do biogás e central de controle do processo.
Figura 3 - Representação esquemática de uma planta de produção de biogás
Fonte: Thzorro77, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons.
A definição do tipo de reator anaeróbio estará diretamente relacionado com o tipo de substrato disponível e o modelo de processo que será utilizado. Não há um reator melhor ou pior que outro, o que há de fato é a definição do reator mais adequado para operar com determinados parâmetros de processo para um determinado custo de instalação, operação e manutenção.
A decisão da escolha do tipo de reator anaeróbio e do tipo de processo que será inspalado numa planta de produção de biogás depende diretamente de uma análise minuciosa da viabilidade técnica e econômica. Essa modelagem é essencial para definir a atratividade do investimento.
6) Quais são os benefícios do uso do biogás?
a. Benefícios ambientais
A biodigestão de resíduos orgânicos possibilita uma destinação adequada, estabilizando os substratos que poderiam impactando o meio ambiente, contaminando o solo, poluindo os recursos hídricos e a atmosfera.
O resído orgânico, quando biometanizado, contribui com a qualidade de vida de populações a regiões onde área atividades com potencial de poluição pelo excesso de carga orgânica. Ao evitar que os resíduos orgânicos apodreçam em locais inapropriados, indiretamente estará preservand a saúde pública de diferentes vetores.
A decomposição dos resíduos, sem aproveitamento energético, além de configurar-se como um desperdício de energia também é um dos fatores responsáveis pelo aquecimento global. A emissão de carbono, seja na forma de diôxido de carbono ou metano, resulta no desiquilíbrio dos fatores climáticos. Atualmente observamos mudanças no ciclo das chuvas que impactam a produção agropecuária, a produção e o custo de energia elétrica (operação do sistema hidrotérmico de potência - despachos de hidrelétricas e termelétricas), assim como afeta toda dinâmica de climática como um todo, provocando eventos extremos que resultam em perdas econômicas e também em perdas de vida (decorrentes de furações, deslizamentos de terra por excesso de chuvas, secas, grandes nevascas, entre outros).
b. Produção de energia
O uso do biogás possibilita a substituição direta de outras fontes de energia. Contribuí para autossuficiência energética do investidor. É um biocombustível que possui grande versatilidade de uso final e que não está diretamente exposto a variações cambiais do dólar e nem a variação do preço do barril de petróleo.
A geração de energia com biogás possibilita minimização dos riscos de exposição a mudanças de fatores climáticos, como estiagens que afetam níveis dos reservatórios das hidrelétricas. Não é afetado pela intermitência como são afetadas as fontes eólicas e de energia solar.
Na geração elétrica, o biogás é uma fonte despachável com reduzido custo de armazenamento, quando comparado aos sistemas de armazenamento de energia com baterias de chumbo-ácido, níquel-cádmio ou íons de lítio. Consideram a Análise do Ciclo de Vida (ACV) o biogás mostra-se extremamente vantajoso e competitivo também no segmento de armazenamento.
c. Digestato e o potencial uso como biofertilizante
O digestato obtido no final do processo de biodigestão anaeróbia é um efluente rico em nutrientes, quando obtido a partir de resíduos agrícola pode ser utilizado como biofertilizante, desde que esteja de acordo com a legislação que permita o seu uso como fertilizante. A produção de biogás pode contribuir diretamente com a redução de custos da produção agrícola, reduzindo a necessidade de compra de fertilizantes químicos. Indiretamente, essa substituição (fertilizantes comerciais pelo biofertilizante) também contribui para redução dos gases de efeito estufa, seja pela emissões evitadas durante a produção de fertilizantes, seja pelas emissões evitadas na logística para a fábrica de fertilizante e a propriedade rural onde será aplicado.
7) Considerações Finais
O biogás é um biocombustível renovável. A sua produção representa muito mais do que apenas a geração de energia. Biogás representa um conceito amplo e complexo, é um vetor de desenvolvimento local com potencial de impacto nacional. É um elo estratégico para viabilizar a economia circular, proporcionando reciclagem de nutrientes em muitos segmentos. O uso do biogás constitui um passo importante para descarbonização da matriz energética, possibilitando redução da dependência de combustíveis fósseis.
Biogás é o caminho para uma transição energética e pode ser a porta de entrada para uma matriz energética baseada em hidrogênio, consolidando assim a transição do uso de combustíveis líquidos para os combustíveis gasosos, menos poluentes e mais eficiente.
Para explorar outros conceitos, acesse o nosso Glossário.
Também aproveite para conferir Biometano, a energia que vem do campo.
Obrigado e boa leitura!
Referências bibliográficas consultadas
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Heleno Quevedo de Lima
Engenheiro, mestre e doutor em Energia. Pesquisador, especialista em biogás, entusiasta no desenvolvimento e consolidação do mercado de biogás/biometano. Atua como consultor de projetos e contribui para disseminação de conteúdo, notícias e conhecimento na área de biogás e energia solar.
Autor: Heleno Quevedo de Lima
Publicado em: 15 de dezembro de 2020.
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