Resíduos ou Recursos

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Uma breve reflexão sobre a gestão dos nossos resíduos para uma transição energética de baixo carbono.

Resíduos ou Recursos
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Colunista
Horizontes do Biogás, por Fábio Soares

Resíduos ou Recursos

Uma breve reflexão sobre a gestão dos nossos resíduos para uma transição energética de baixo carbono.

Fábio Soares | Colunista do Portal Energia e Biogás — O sistema de gerenciamento de resíduos sólidos é um processo complexo, pois diversas disciplinas como meio ambiente, saúde, economia, sociedade, legislação e engenharia estão envolvidos e interagem para funcionalizá-lo (Nemerow et al. 2009).

A complexidade da gestão de resíduos sólidos indica as interações e inter-relações entre as diferentes disciplinas. É óbvio que sem essas interações, seria impossível tornar esse sistema complexo bem-sucedido. Além disso, aumentando a quantidade de resíduos sólidos produzidos e sua composição, e mudar os padrões de consumo pode resultar em desafios difíceis, tanto em países industrializados como aqueles em desenvolvimento, se não houver uma boa gestão de resíduos. A necessidade de gerenciar os resíduos para proteger o meio ambiente e a saúde das pessoas é tão importante quanto a necessidade de fornecimento de energia e água a uma sociedade. Entretanto, os habitantes, como produtores de resíduos, precisam de um serviço para essas questões, que deve ser fornecido por uma autoridade relacionada. Para resolver o problema, é necessário ter um sistema de engenharia que leve em conta todos os aspectos como as necessidades da sociedade, bons serviços, impactos e viabilidade econômica. Por outro lado, um sistema de gestão adequado de resíduos é geralmente considerado muito caro e muito arriscado para investimento e operação e, portanto, tem tido dificuldade em atrair investidores. Um efetivo sistema de gestão de resíduos é particularmente importante em países em desenvolvimento, onde as leis e regulamentos não são tão claras ou estáveis, e a opinião pública em relação ao desperdício é apenas “jogar fora”. Portanto, para criar um sistema adequado, algumas decisões políticas e legislações são necessárias.

Leis e legislações definem as interações entre as diferentes disciplinas, que são imprescindíveis para apoiar o sistema técnico como função. Embora existam legislações em muitos países, a administração bem-sucedida de um sistema tão complexo é uma tarefa difícil.

    • Como o sistema técnico deve ser concebido de forma a seguir as orientações e oferecer um serviço eficiente para a comunidade?
    • Como as pessoas podem ser envolvidas no sistema como parte da operação?

Essas questões sustentam a importância das relações e interações dos aspectos técnicos na gestão de resíduos sólidos. A gestão de resíduos na Suécia é um exemplo da administração de um complexo sistema de forma produtiva. Além de muitas diretivas e legislações, que entraram em vigor na década de 1960 e abriu o caminho para a implementação da atual gestão de resíduos, as interações técnicas e sociais desempenham um papel crucial no sistema. Assim, o exemplo sueco de gestão de resíduos prova que o sistema pode gerenciar a relação entre as diferentes disciplinas adequadamente. Ele não apenas cumpriu o desejo da sociedade com relação às expectativas e reduziu os impactos ambientais dos resíduos, mas também considerou os aspectos econômicos do sistema. Além das diretrizes legais e ambientais, um bom sistema de gestão de resíduos também tem que ter uma estratégia e metas estabelecidas para abordagem. 

Desperdício ou Recurso

Os dicionários definem “resíduos” como materiais que são lixo, inúteis ou sem valor. Já no dicionário do Meio Ambiente, “resíduo” é definido como “qualquer material, sólido, líquido ou gás, que não é mais necessário para o sistema que o utiliza ou o produz” (Kemp 1998). Jackson e Jackson (2000) mencionam que “resíduo é qualquer material ou substância que é percebida como não tendo mais utilidade e que é permanentemente descartada.” Outra definição é “resíduo é material percebido como tendo pouco ou nenhum valor pelos produtores ou consumidores da sociedade” (Rhyner et al. 1995). Como estas definições concentram-se em resíduos sólidos, uma definição de “resíduos sólidos” é fornecida aqui: “resíduos sólidos são os resíduos oriundos das atividades humanas que são normalmente sólidos e que são descartados como inútil ou indesejado” (Tchobanoglous et al. 1993).

Ao olhar para todas essas definições, há um significado comum de que desperdício é algo inútil num determinado processo. Esses materiais indesejados podem emergir das residências após o uso dos produtos ou durante o processo de produção pelos fabricantes. Se nós queremos omitir os termos “inútil” e “indesejável” das definições de “desperdício”, temos que encontrar uma solução para utilizar os resíduos para diversos fins. É certo que não pode ser um desperdício se pudermos reusá-los. Então, o que eles podem ser? Veremos agora a definição de “recurso” no dicionário ambiental: “Recursos são quaisquer objetos, materiais ou mercadorias que são de uso para a sociedade” (Kemp 1998). Assim, se houver uma solução para usar os resíduos em nossa sociedade, devemos chamá-los de “recursos”.

Há outra expressão, que associa resíduos e recursos e explica que “não há desperdícios, apenas resíduos que devem ser projetados para que um valor econômico possa ser encontrado para eles” (Graedel e Allenby 1995). Existem muitos exemplos que comprovam esta última definição. Por exemplo, o melaço já foi um produto residual das usinas de açúcar. No entanto, ao olhar para este subproduto como um recurso de açúcar para produzir outros produtos, o comércio de melaço hoje se tornou um grande negócio. Melaço é utilizado, por exemplo, na produção de etanol, ácido cítrico, ácido itacônico, butanol e acetona, 2,3-butanodiol, dextrano e fermento alimentar (Olbrich 1963; Prakash, Henham e Krishnan Bhat 1998). Outro exemplo são os resíduos sólidos das plantas de cana-de-açúcar chamado bagaço. Ele é usado na produção de, por exemplo, papel de escrita branco, papel de impressão, papel kraft, papelão, papel ondulado e jornais, ração animal, produção de energia elétrica e biogás, além de fontes de energia para as usinas de cana-de-açúcar (Yadav e Solomon 2006). A produção anual de bagaço é de cerca de 500 milhões de toneladas no mundo. Se não houvesse aplicação para isso, a gestão dessa quantidade de resíduos resultaria em um desastre ambiental. Outro exemplo importante da reutilização de resíduos é o aproveitamento da vinhaça para a produção de biogás e biometano.

No processo de produção de açucar e etanol a patir da cana-de-açucar há geração de subprodutos (resíduos) como: bagaço e vinhaça, com potencial de geração de energia.

Considerar o melaço, bagaço, torta de filtro e a vinhaça como recursos e não como resíduos é um exemplo positivo de como gerenciar os resíduos agroindustriais. Quando as propriedades dos resíduos são conhecidas e quando são separados como um material individual, geralmente é mais fácil encontrar aplicações para sua reutilização desenvolvendo novas as tecnologias.

A questão agora é: como considerar o RSU como recurso?

Para mais explicações sobre esses resíduos, é útil observar atentamente o que está incluído no material desperdiçado. O RSU é geralmente uma mistura de resíduos de alimentos, papel, papelão, plásticos, têxteis, couro, resíduos de jardinagem, madeira, vidro, latas, alumínio, outros metais, cinzas, resíduos especiais (incluindo itens volumosos, como eletrônicos de consumo, produtos da linha branca, baterias, óleo e pneus) e resíduos domésticos perigosos (Tchobanoglous et al. 1993). Esses materiais podem ser divididos em cinco categorias:

    1. Materiais recicláveis, como embalagens de metal, papel e plástico, que devem ir diretamente para a indústria de reciclagem após a triagem;
    2. Resíduos orgânicos, como restos de comida;
    3. Resíduos volumosos, como produtos da linha branca, móveis e pneus, que devem ser coletados separadamente e transferidos para indústrias apropriadas para tratamento;
    4. Resíduos perigosos, como baterias, eletrônicos e produtos químicos que devem ser recolhidos separadamente para tratamento adequado;
    5. Resíduos residuais, como lenços e fraldas que podem ser tratados em plantas de combustão.


Se esses materiais estivessem disponíveis separadamente, seria possível convertê-los em novos produtos pela reciclagem ou pela produção de energia por combustão ou por digestão anaeróbia. Por exemplo, o desperdício de alimentos e descarte de restos e sobras de alimentos é um dos recursos que podem ser convertidos em biogás. Isso pode ser feito se o restos de alimentos for separado dos outros itens na fonte de geração.

Qual é a nossa responsabiliade na gestão dos resíduos?

Além disso, para tornar o processo de reciclagem mais eficaz e econômico, classificar o material é uma tarefa crucial. Por exemplo, é possível reciclar vidro muitas vezes se e somente se tivermos as frações de vidro separadas. Neste caso, para a reciclagem de vidro as indústrias estão dispostas a aceitar os materiais para tratamento posterior. Isto é muito importante porque o consumo de energia para a reciclagem do vidro é 50% menor do que aquela necessária para a produção de novos materiais de vidro. Assim, o aproveitamento material de resíduos tem outra importância, porque estes podem ser visualizados como recursos para outros produtos e, portanto, não são dejetos ou inúteis.

Dessa forma, tecnologias de aproveitamento de resíduos inclusive para fins energéticos são consolidadas principalmente em países desenvolvidos e devem ser incentivadas e subsidiadas nos países em desenvolvimento por meio de políticas publicas e por meio de uma interação eficiente entre poder público, academia e iniciativa privada. Só assim é possível desenhar um caminho sustentável.


Referências consultadas

  • Graedel, T. E. and B. R. Allenby. 1995. Industrial Ecology. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall. pp. 83–187.

  • Jackson, A. R. W. and J. M. Jackson. 2000. Environmental Science: The Natural Environment and Human Impact. Harlow: Addison-Wesley.

  • Kemp, D. 1998. The Environment Dictionary. New York: Routledge.

  • Nemerow, N. L., F. J. Agardy, and J. A. Salvato. 2009. Environmental Engineering: Environmental Health and Safety for Municipal Infrastructure, Land Use and Planning, and Industry. Vol. 3. New York: Wiley.

  • Olbrich, H. 1963. The Molasses. Berlin, Germany: Fermentation Technologist, Institut für Zuckerindustrie.

  • Prakash, R., A. Henham, and I. Krishnan Bhat. 1998. Net energy and gross pollution from bioethanol production in India. Fuel 77(14):1629–1633.

  • Rhyner, C. R., L. J. Schwartz, R. B. Wenger, and M. G. Kohrell. 1995. Waste Management and Resource Recovery. Boca Raton, FL: CRC Press.

  • Tchobanoglous, G., H. Theisen, and S. Vigil. 1993. Integrated Solid Waste Management Engineering Principles and Management Issues. New York: McGraw-Hill.

  • Yadav, R. L., and S. Solomon. 2006. Potential of developing sugarcane by-product based industries in India. Sugar Tech 8(2):104–111.



A coluna Horizontes do Biogás aborda questões importantes relacionadas com a gestão dos nossos resíduos para uma transição energética de baixo carbono.

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Autor: Fábio Soares    Publicado em: outubro de 2022.

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