Entrevista: Adriano Pires - As perspectivas do biogás para a matriz energética brasileira

Tempo de leitura: aproximadamente 13m54s

O Portal Energia e Biogás entrevistou um dos maiores especialistas do setor de gás e petróleo do Brasil, Adriano Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura - CBIE. Na conversa, Adriano Pires falou sobre as perspectivas e os desafios para a expansão do biogás na matriz energética brasileira.

Entrevista: Adriano Pires - As perspectivas do biogás para a matriz energética brasileira
Foto: Divulgação/ CBIE e imagens ao fundo do Canva.com.
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Entrevista Exclusiva
Portal Energia e Biogás

Entrevista | Adriano Pires

O Portal Energia e Biogás entrevistou um dos maiores especialistas do setor de gás e petróleo do Brasil, Adriano Pires, sócio fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura - CBIE.

    O biogás é uma fonte de energia renovável que têm perspectiva futura na matriz energética brasileira bastante promissoras. O Brasil tem um enorme potencial de produção de biogás, especialmente a partir dos resíduos da agropecuária, dos resíduos sólidos urbanos e do tratamento de esgoto. Somado com a crescente preocupação com a sustentabilidade e a redução das emissões de gases de efeito estufa, o biogás torna-se uma opção cada vez mais atrativa para empresas e indústrias que buscam reduzir sua pegada de carbono.

    Para compreender melhor a importância estratégica do biogás e do biometano na matriz energética brasileira, os seus desafios para expansão no mercado brasileiro e as perspectivas futuras, o Portal Energia e Biogás entrevistou um dos maiores especialistas do setor de gás e petróleo do Brasil, Adriano Pires, sócio fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura - CBIE. Confira os principais trechos da conversa:

    Portal Energia e Biogás: Quais são os principais desafios para a expansão do uso de biogás e biometano na matriz energética brasileira?

    Adriano Pires: Alguns dos desafios à expansão do uso de biogás e biometano na matriz são os altos custos de geração, as políticas públicas incipientes, as burocracias sanitárias, a necessidade de maior capacitação técnica e o difícil acesso à tecnologia. Deve-se destacar, também, que o biogás e o biometano enfrentam um obstáculo comum ao próprio gás natural, a falta de infraestrutura para transporte.

    O arcabouço regulatório do biogás no país é relativamente recente e, portanto, os desafios nesse segmento ainda são significativos. Grande parte da legislação aplicada ao biometano, foi elaborada pela ótica do gás natural, por isso, ainda existem algumas lacunas relevantes na regulação, o que pode representar insegurança ao desenvolvimento de novos projetos na área.

    Até 2017, por exemplo, a injeção de biometano de aterro nas redes de distribuição de gás natural era proibida, pois não havia compatibilidade de requisitos técnicos para acesso na regulamentação existente. Entretanto, com a publicação da Resolução ANP de nº 685/2017, foram estabelecidas as regras para aprovação do controle da qualidade e a especificação do biometano oriundo de aterros sanitários e de estações de tratamento de esgoto destinado ao uso veicular e às instalações residenciais, industriais e comerciais a ser comercializado no território nacional. Recentemente, por meio da Lei do Gás (Lei nº 14.134/2021) e do Decreto nº 10.712/2021 foi atribuído ao biometano a equivalência ao gás natural para fins regulatórios. O setor precisa, ainda, de maior efetividade e planejamento que viabilizem a inserção mais expressiva do biogás no setor de combustíveis. Os programas existentes no Brasil são muito recentes e precisam ações efetivas. Direcionado ao combustível em questão, temos a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano (instituída pelo Decreto Federal nº 11.003/2022) e para a cadeia de biocombustíveis em geral há a Política Nacional de Biocombustíveis (RENOVABIO) e o Programa Metano Zero.

     

    Portal: Como a produção de biogás pode contribuir para o desenvolvimento econômico do interior do Brasil?

    Adriano Pires: O biogás pode contribuir para o desenvolvimento do interior do país possibilitando a oferta de gás às regiões ainda desprovidas de infraestrutura de gasodutos, cumprindo papel complementar ao do gás natural. Isso, porque a produção do biogás ocorre em alto grau de descentralização, podendo ser consumido no próprio local em que é produzido, sem que se necessite de redes de transmissão, transporte ou de distribuição, além de poder ser transportado via Gás Natural Comprimido (GNC) ou injetado em gasodutos de distribuição, possibilitando a interiorização do gás metano. A interiorização do biogás pode contribuir para a formação de demanda em regiões não integradas ao sistema nacional de transporte de gás.

    Além disso, o fomento da produção do biogás no interior do país pode ser benéfico a economia dessas regiões. Os insumos para a produção do biogás são de fácil obtenção, por ser produzido a partir da biomassa, originada de matéria orgânica, podendo ser obtido e se originar tanto de regiões rurais quanto de urbanas. Enquanto, hoje, as plantas que processam resíduos sólidos urbanos ou efluentes de estações de tratamento de esgoto representam apenas 9% das plantas em operação, elas são responsáveis por 73% do biogás produzido no Brasil. Contudo, é no campo que a produção de biogás traz uma grande vantagem aos agricultores e pecuaristas: a destinação de resíduos que antes eram descartados. Com o desenvolvimento de um mercado nacional de biogás e estímulos à demanda, os proprietários de terra “ganham” mais um produto, os resíduos sólidos orgânicos gerados em suas fazendas.

    Como consequência da maior produção do biogás no interior do país, há a ampliação do potencial de geração de empregos e a redução dos custos de geração de energia. E o biometano pode ajudar a promovera descarbonização do setor do agronegócio.

     

    Portal: Como a produção de biogás pode ajudar a diversificar a matriz energética brasileira e reduzir a dependência de combustíveis fósseis importados?

    Adriano Pires: A flexibilidade no armazenamento e a aplicabilidade do biogás são os diferenciais que tornam o biocombustível atrativo para a produção de energia térmica, elétrica ou veicular, propiciando sua ampliação na matriz energética nacional em substituição aos combustíveis fósseis.

    O uso do biogás como energia térmica substitui a lenha, o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) e o óleo combustível. No uso como energia elétrica, o maior rendimento seria através do biometano, em razão do elevado teor de metano. Uma vez que é possível estocar biogás, consumidores que pagam tarifa horo sazonal (grupo A) podem optar pela geração a biogás nos horários de pico, reduzindo a despesa com eletricidade. Já no uso veicular, não é possível utilizar diretamente o biogás, somente o biometano. Nesse sentido, a maior dificuldade encontrada é a limitação na autonomia e o abastecimento, acrescentada ainda pela perda na competição econômica com o gás natural veicular (GNV).

    A aplicabilidade do biogás em diversificados usos é beneficiada pela, já citada, possibilidade do biocombustível de ser produzido em qualquer local onde exista abundância de resíduos orgânicos. Como grande parte da produção utiliza insumos advindos de centros urbanos, o biogás ganha competitividade por conta da proximidade aos centros consumidores.

    Figura 1 - Exemplo do uso do biogás como fonte de energia térmica para substituição da lenha, ou Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) ou óleo combustível em caldeiras.

     

    Portal: Qual é o papel do governo na promoção do uso de biogás e biometano na matriz energética brasileira e como as políticas públicas podem incentivar a produção dessas fontes de energia?

    Adriano Pires: O papel do governo é lançar políticas públicas, programas de governo e diretrizes de incentivo ao mercado de biogás e biometano. As políticas públicas podem incentivar as fontes de energia renováveis como ferramenta tradicional de internalização dos efeitos negativos, redução de riscos e fomento da competitividade dessas fontes. Isso, porque as tecnologias das fontes renováveis diferem das convencionais em suas estruturas de custos, fluxos de receitas e despesas, bem como perfis de produção, distribuição geográfica e os benefícios sociais que proporcionam. Somente, com tais políticas, as fontes renováveis podem ampliar a sua participação na matriz energética, até que possam concorrer com as demais fontes de forma igualitária.

     

    Portal: Como a produção de biogás pode contribuir para a segurança energética do Brasil?

    Adriano Pires: O biogás é o combustível capaz de ampliar a participação dos renováveis na matriz energética nacional, mantendo o país na vanguarda da produção de energia limpa, sustentável, seguindo a tendência para uma transição energética segura. O combustível pode ser usado na geração de energia elétrica e/ou térmica, como fonte de gases industriais e, também, depois de processado e transformado em biometano, em redes de gás natural e como combustível de veículos.    

    Após a crise hídrica de 2021, o tópico de segurança energética voltou ao centro das discussões nacionais. Com predominância hídrica e o aumento da participação das fontes renováveis intermitentes, a matriz elétrica nacional ficou cada vez mais dependente das condições climáticas. As ações propostas para reforçar a resiliência da matriz se baseiam na expansão do parque termoelétrico nacional a gás natural. Ainda que o combustível seja o mais limpo entre os fósseis, o biogás é uma alternativa renovável e limpa, sendo uma alternativa em substituição ao gás natural. Vale destacar que o biogás, quando comparado a outras fontes renováveis, não é intermitente, como a energia solar e eólica.

    Na forma de biometano, o biogás, pode substituir o diesel e o gás natural, como combustível no setor de transportes. O gás renovável também pode ser usado pelas empresas/indústrias em seus processos produtivos, sobretudo devido à necessidade de reduzir a emissão de gases do efeito estufa.

     

    Figura 2 - Exemplo do uso do biogás na geração de energia elétrica. Uma fonte não intermitente, despachável e de geração de energia firme para promoção a segurança energética. 

    Portal: Quais são as principais oportunidades de investimento na produção de biogás e biometano no Brasil e como as empresas podem se beneficiar dessa tendência de transição energética?

    Adriano Pires: A produção de biogás e biometano ocorre através do processamento de resíduos orgânicos de diversas produções agrícolas, criando oportunidades tanto para agentes do setor de energia quanto do setor industrial, como as agroindústrias, o agronegócio etc. É importante destacar que o país possui um potencial significativo para a produção de biogás, especialmente devido à potência do agronegócio brasileiro, principal fonte de matéria-prima para essa matriz energética. Assim sendo, o investimento no insumo, além de criar um movimento de economia circular entre os setores, também, pode ser utilizado como mecanismo de abatimento de emissões para companhias de qualquer segmento, sendo uma fonte de energia extremamente atrativa do ponto de vista ambiental.

    O potencial nacional está nos resíduos orgânicos já disponíveis, como os da agroindústria e do saneamento, que atualmente não possuem aproveitamento energético e são descartados. Esses são insumos que se aproveitados, por meio de investimentos adequados, podem favorecer a geração de energia descentralizada.

    O investimento em biogás é propício ao interior do país, que precisa de alternativa energética para abastecimento do próprio setor agrícola e industrial. Essa é uma alternativa de combustível limpo, capaz de fomentar o desenvolvimento econômico e social do interior.

    Assim, ainda que o segmento desse biocombustível enfrente muitos obstáculos, os agentes já se movimentam para utilizar o biogás. Entre os casos mais recentes estão a compra da NEOgás pela Ultragaz e o investimento da Raízen em uma planta de biometano em Piracicaba (SP), esta última que atenderá à Volkswagen. A compra da NEOgás teve como objetivo a expansão da participação do Grupo Ultra no segmento de distribuição de biometano. Já a planta de biometano da Raízen é a primeira da empresa e terá capacidade de produção de 26 milhões de metros cúbicos (m³) do biocombustível por ano, o suficiente para abastecer cerca de 200 mil clientes residenciais.

    Esses casos mostram que o setor está em desenvolvimento, com a presença de diversas empresas com planos de investimento que preveem a produção de volumes expressivos do biocombustível.

    Adriano Pires

    Sócio fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura - CBIE

    Doutor em Economia Industrial pela Universidade de Paris XIII, atua há mais de 40 anos na área de energia. Sua última experiência no governo foi na Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). Desenvolve atividades de pesquisa e ensino nas áreas de economia da regulação, economia da infraestrutura, aspectos legais e institucionais da concessão de serviços públicos e tarifas públicas.

    LinkedIn | Centro Brasileiro de Infraestrutura - CBIE

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    • Nobushige Yokoya
      Nobushige Yokoya
      Bom dia Sres. ENERGIA e BIOGAS, Informando as tecnologias de Bio energias como Pro-etanol de Biomassa hidrolise enzimática, e Geração de energia elétrica de Bio syngas. No caso, tem a interesse desta Tecnologias, podemos explicar a mais detalhes técnica. Obrigado.
      2 anos atrás Responder