Biogás e seu papel na transição energética

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Quais são os benefícios que o biogás proporcionará para a transição energética?

Biogás e seu papel na transição energética
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Colunista
Biogás em Pauta, por Heleno Quevedo

Biogás e seu papel na transição energética

Quais são os benefícios que o biogás proporcionará para a transição energética?

Heleno Quevedo | Colunista do Portal Energia e Biogás — Antes de falarmos sobre o biogás e seu papel na transição energética é preciso destacar alguns conceitos.

Afinal,  o que é transição energética?

A transição energética é uma mudança na forma como produzimos, transportamos e consumimos energia para os nossos processos produtivos. Ao longo da história, a humanidade já passou por diversos processos de transição energética. Um dos processos correspondeu à migração de um uso majoritário de lenha – para atender as suas demandas por aquecimento, cocção e proteção – para o consumo intensivo de combustíveis fósseis como carvão e petróleo, em um período pré-revolução industrial.

A definição de transição energética que a atual sociedade está vivenciando, de forma simples, corresponde a uma mudança gradual e constante do uso global de energia de fontes fósseis para um sistema de carbono zero, ou seja, um sistema energético com taxas de emissão de carbono menores do que as taxas de emissão de carbono decorrentes do consumo de combustíveis fósseis.

Promover a transição energética para uma economia de baixo carbono é uma estratégia adotado por diversos governos para conter a elevação do aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais até meados do século. Sendo esse processo um fator-chave para mitigar a mudança climática e os seus impactos perturbadores.

O Brasil está avançando muito no processo de transição energética para fontes renováveis. Com base em dados do Sistema de Informações de Geração da ANEEL – SIGA, atualmente as fontes renováveis na matriz elétrica brasileira correspondem a 83,04%. Esse valor confere ao Brasil uma posição de destaque perante as outras nações. Estamos em uma posição privilegiada, no topo do ranking das nações que mais produzem energia renovável.

Apesar da nossa matriz elétrica ter uma parcela significativa de energia renovável, precisamos avançar também na transição energética para atender toda a matriz energética do Brasil, reduzindo de dependência de combustíveis fósseis.

A necessidade de avançar no processo de substituição de fontes fósseis por renováveis é uma demanda presente há várias décadas, que nos últimos anos ganhou mais força, principalmente pelo agravamento das mudanças climáticas, decorrentes do aquecimento global.

A 20 anos atrás, HEFNER (2002) demonstrava no seu trabalho como a matriz energética mundial tinha evoluído desde a predominância dos combustíveis sólidos (biomassa da madeira), passando pela era atual dos combustíveis líquidos (derivados do petróleo) e já se aproximando da era dos gases, que poderá ter seu apogeu em um mundo movido a hidrogênio (H2), pontos que também foram destacado na obra de BleyJr (2015).

De uma forma bem didática, HEFNER (2002) ilustra o crescimento do uso intensivo de várias fontes de energia, o ápice e a queda do uso ao longo de um horizonte de 300 anos. As avaliações foram obtidas a partir de dados da série histórica do consumo de energia e de projeções futuras do uso de insumos energéticos. 

É possível observar o período em que o consumo de madeira vai sendo substituída pelo uso de carvão e uso de combustíveis líquidos derivados de petróleo. O ponto de partida da curva dos líquidos se dá no período da Revolução Industrial e encontra seu ápice no final do século 20, correspondendo ao sistema econômico desenvolvido após a Segunda Guerra Mundial e que se estende até o início deste século. 

Fonte: THE AGE OF ENERGY GASES In the New Millennium (2002)

Recentemente estávamos em um momento com tendência de queda do uso de carvão e crescimento da demanda por gás natural. No entanto, os conflitos na Europa, sobretudo os ataques da Rússia na Ucrânia, causaram crise no abastecimento de gás natural forçando alguns países retomar a política de exploração do carvão.

No cenário de transição energética apresentado por HEFNER (2002) foi destacado a tendência do crescimento do gás natural até o avanço e consolidação do hidrogênio na economia mundial. Essas tendências de expanção da geração a partir de gases estão se concretizando, ainda de forma modesta, sendo possível constatar um crescimento de novos projetos nos últimos anos. Muitos deses projetos estão em fase de construção com previsão para início das operações comercialemente a partir de 2023 e 2024.   

⇒ Quais são os benefícios da transição energética?

Entre tantos benefícios do processo de transição energética podemos destacar alguns:

    • Conservação dos recursos naturais, protegendo assim a biodiversidade que sustenta a vida no planeta tal como o conhecemos;
    • Redução da poluição atmosférica e os impactos na saúde pública;
    • Redução da emissão dos gases de efeito estufa (GEE) e mitigação dos impactos das mudanças climáticas;
    • Possibilidade de proporcionar desenvolvimento econômico local e sustentável, consolidando cadeias de fornecedores locais, promovendo educação e a capacitação técnica, possibilitando a criação de novos empregos;
    • Redução da exposição ao mercado internacional dos combustíveis fósseis, contribuindo para amenizar a flutuação dos preços dos produtos atrelados ao barril do petróleo;
    • Contribuição para uma balança comercial no país mais independente da importação de combustíveis fósseis;
    • Produção e consumo local dos biocombustíveis ou energia.

⇒ Por que está ocorrendo a transição energética?

Dentre os diversos fatores que contribuem para um processo de transição energética, podemos destacar  três como pontos-chaves: escassez, preço e impactos sociosambientais.

    1. Escassez – redução da disponibilidade de um determinado recurso natural para produção de energia, após os processos de exploração exaurir a oferta de matérias-primas com custos mais competitivos. A escassez força a necessidade de mudança em busca de novos recursos ou de novos locais a serem explorados;
    2. Preços – fator-chave no processo de geração de energia. Na economia do petróleo, o preço da energia está direto ou indiretamente relacionado com a oferta e a demanda do barril nos mercados internacionais. Outro ponto que afeta diretamente o valor dessa commodities são os fatores geopolíticos;
    3. Impactos socioambientais – independente da fonte de energia utilizada, a necessidade de mudanças para um novo insumo energético poderá estar relacionada com fatores socioambientais, que demandam a sua substituição por outros insumos com impactos menores. A necessidade de transição deverá seguir análises criteriosas sobre a atual situação e os respectivos impactos que surgirão com a adoção de nova fonte de energia. Metodologias para análises de inventariar as emissões, estimativas de pegadas de carbono, diagnósticos energéticos, avaliação da eficiência dos processos, análises do ciclo de vida, mensuração dos impactos nas relações sociais das comunidades próximas e dos impactos ao meio ambiente são recurso que possibilitam obtenção de dados necessários para avaliação de cenários que possam justificar a transição para uma situação mais favorável.  

⇒ Exemplos de alguns formas de Transição Energética

1) Na substituição de combustível veicular

Substituição de combustível fóssil Por combustível com menor teor de carbono
Diesel Biodiesel (B100)
Diesel GNV/Biometano
Gasolina Etanol
Gasolina GNV/Biometano
GLP GNV/Biometano
GLP Biogás
Combustíveis Fósseis Hidrogênio Verde (em células a  combustível)

Exemplo da substituição do diesel em caminhão e trator a GNV/biometano
Fonte: Scania e New Holland

2) Na substituição de combustível para geração de Energia Térmica

Substituição de combustível fóssil Por combustível com menor teor de carbono
Combustíveis fósseis (carvão e derivados de petróleo) Gás Natural (GN, GNC, GNL)
Combustíveis fósseis (carvão e derivados de petróleo) Biogás/Biometano
Gás Natural Biometano

3) Na substituição fontes fósseis para a geração de Energia Elétrica

Substituição de combustível fóssil Por fonte de energia renovável
  • Carvão mineral
  • derivados de petróleo
  • Gás natural
  • CGH – Central de Geração Hidrelétrica (até 1 MW de potência)
  • PCH – Pequena Central Hidrelétrica (1,01 MW e 30 MW de potência)
  • UHE – Usina Hidrelétrica (acima de 30 MW)
  • EOL – Central Geradora Eólica
  • UFV – Central Geradora Fotovoltaica
  • UTE Biomassa – Usina Termelétrica a Biomassa (Bagaço de cana, casca de arroz, lenha, óleos vegetais, RSU, Biogás, etc.)


4) Armazenamento de Energia

Substituição de sistema de armazenamento Por 
Combustíveis fósseis (carvão, derivados de petróleo, gás natural) Baterias
Combustíveis fósseis (carvão, derivados de petróleo, gás natural) Gasômetros de Biogás/Biometano
Baterias Gasômetros de Biogás/Biometano

5) Transição Energética na produção de Fertilizantes

Fertilizante Biofertilizante
Adubação química Biofertilizante a partir do uso agronômico do digestato
Adubação química uso do hidrogênio como insumo essencial para a produção da amônia (amônia verde)

⇒ O armazenamento de hidrogênio na transição energética

As baterias não são adequadas para armazenar grandes quantidades de eletricidade ao longo do tempo. Uma grande vantagem do hidrogênio é que ele pode ser produzido a partir de energias renováveis (excedentes) e, ao contrário da eletricidade, também pode ser armazenado em grandes quantidades por longos períodos.
Por isso, o hidrogênio produzido em escala industrial pode desempenhar um papel importante na transição energética. No entanto, o hidrogênio pode complementar as baterias no setor de transporte. O sistema de armazenamento de energia ideal para veículos está nos arranjos com sistemas de hidrogênio e bateria.

⇒ Transição energética na mobilidade

Nos últimos anos ficou mais evidente a pauta sobre a eletrificação do consumo final, ou a substituição de tecnologias baseadas em combustíveis fósseis em todos os setores por tecnologias que utilizam eletricidade produzida a partir de fontes renováveis. Sendo essa uma estratégia para avançar de forma significativa no processo de descarbonização no transporte.

Nesse contexto muitas discussões abordam a tecnologia do carro elétrico a bateria como uma alternativa direta aos veículos com motor a combustão. No entanto é necessário uma atenção na análise das tecnologias, considerando critérios rigorosos que possibilitem a comparação em diferentes mercados (localidades).

Por exemplo, as metodologias para avaliação da tecnologia de carro elétrico em comparação com o uso de carros com motor a combustão precisam levar em consideração as fontes de energias primárias utilizada na manufatura dos veídulos. Assim como o insumo energético necessário para o abastecimento (eletricidade, combustível fóssil ou biocombustível). Outro ponto importante é a análise da matriz energética de cada país onde são produzidos os veículos e as respectivas fontes de energia para seu abastecimento.

Nesses primeiros passos de levantamento de dados já seria possível identificar a pegada de carbono de cada caso, realizar uma análise do ciclo de vida (ACV) do poço à roda (ou da usina de energia à roda) e avaliar a eficiência da tecnologia (selo decertificação de eficiência energética dos veículos).

A mobilidade sustentável está diretamente relacionada com a tecnologia mais eficiente, com menor pegada de carbono, utilizando para seu abastecimento o insumo com menor impacto ambiental.

Nesse contexto, no Brasil destaca-se com domínio da tecnologia de produção de biocombustível. Um desenvolvimento tecnológico que iniciou com a produção de etanol e depois com a produção de biodiesel. E agora está se dirigindo para consolidação da produção de biogás e biometano no país.

Na mobilidade sustentável a conversão de veículos para GNV/Biometano está avançando muito rápido. De acordo com reportagem da CNN (2022), o número de conversões de automóveis para Gás Natural Veicular (GNV) subiu 6,54% entre janeiro e junho de 2022 em comparação ao mesmo período em 2021. As conversões de automóveis para GNV atingiram mais de 500 mil carros, só nesse ano.

Segundo reportagem  da MotorShow (2022), a conversão para GNV em SP, entre janeiro e fevereiro de 2022, mais do que dobrou. Em comparação com os combustíveis líquidos, o GNV polui menos o meio ambiente. Ele emite cerca de 20% menos dióxido de carbono (CO2) na atmosfera em relação a gasolina e 15% em comparação com o etanol.

Todas as vantagens destacados sobre uso do GNV na mobilidade são potencializadas quando o uso do combustível é o biometano. O biometano destaca-se por possuir uma pegada de carbono negativa, reduzindo as emissões de carbono a um nível muito inferior aos níveis de emissões dos combustíveis fósseis e também ao níveis de emissões dos carros elétricos.

⇒ Biogás e seu papel na transição energética

Diante de alguns dos pontos destacados nesse artigo podemos percerber o pontecial significativo que o biogás e o biometano têm para contribuir com a transição energética no Brasil:

    • Na geração de energia elétrica o biogás pode complementar a geração solar e eólica, emenizando os impactos da intermitência. Sendo o biogás uma fonte despachável e de geração firme. O biogás é seguro, sustentável, de baixa emissão. O biogás é um aliado na descarbonização da economia; 
    • Em comparação com o Gás Natural, o biometano é um ativo intercambiável com o gás natural em todas as suas aplicações, passível de ser transportado na forma de gás comprimido (em caminhões - gasoduto virtual) ou na forma de gás liquefeito (biometano liquefeito - BioGNL);
    • Na mobilidade possibilita a a substituição de diesel por GNV/biometano, contribuíndo para a redução de GEE. A redução não estará restrita apenas a redução da emissão de CO2, mas também na redução da emissão de NOx e materiais particulados. Com a inserção de novas tecnologias no Brasil, de caminhões e tratores a GNV/biometano, haverá  aumento na demanda por novas plantas de produção de biogás para abaster postos de combustíveis no interior do Brasil. As regiões com vocação para produção de proteína animal e produção agroindustrial terão destaque para viabilizar Corredores Azuis (rotas com postos para abastecimento de biometano).

“Para chegar ao hidrogênio precisamos dominar o metano”, conforme destacou Cícero Bley Jr. (2015).

O biogás, biometano e o gás natural são insumos estratégicos para avançarmos em direção a uma economia do hidrogênio. De acordo com Hefner (2007), a próxima grande onda de energia será baseada principalmente no uso de gases naturais limpos, quimicamente simples e globalmente abundantes (metano e hidrogênio) usados em sistemas de energia distribuídos inteligentes, eficientes e de alta tecnologia e que as nações vencedoras do século 21 serão aqueles que aceitarão este desafio.

O caminho para o objetivo final da civilização será claramente marcado por uma série de ondas de energia que descarbonizaram nossas fontes de energia nos últimos 150 anos, passando da madeira, composta principalmente de carbono, para o carvão, com um pouco menos de carbono, para o petróleo, novamente, menos carbono e também contendo hidrogênio, ao metano, que é composto de apenas um carbono e quatro átomos de hidrogênio. A transição para o gás natural e biometano será um “passo gigante para a humanidade” em direção ao próprio hidrogênio, sem carbono, que quando usado como combustível é ambientalmente adequado, produzindo apenas calor e água.

Fonte: The Age of Energy Gases China’s Opportunity for  Global Energy Leadership


Referências consultadas

A coluna Biogás em Pauta aborda diferentes temáticas relacionadas com o processo de produção de biogás, destacando a relação com fatores ambientais, sociais, econômicos e corporativos.

Gostou do assunto?

Quer saber mais sobre o biogás no Brasil?



Autor: Heleno Quevedo    Publicado em: dezembro de 2022.

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